CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, julho 19, 2010

Gilberto Mestrinho

Completa-se hoje o primeiro ano de morte do professor Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo. Gilberto Mestrinho, para os politicos, Boto, para os eleitores. Reconhecidamente, o político que marcou com desenvoltura sua participação na história amazonense. Em resumo, governou o Amazonas em três oportunidades e representou-o no Senado. Ainda, representou o então Território Federal de Roraima, até ser cassado pelo Governo Militar (1964).
Não desejo aqui ampliar os dados sobre sua vida, sua biografia já foi elaborada pela professora Iraildes Torres, no livro Arquitetura do Poder, lançado pela Edua ano passsado.

Propaganda circulada em ACrítica, 1º out. 1958,
quando venceu a primeira campanha para governador 

Mas, como não vi qualquer manifestação na Cidade pela data, em homenagem ao ilustre morto reproduzo um texto do saudoso L. Ruas, escrito por ocasião do primeiro governo de Mestrinho (1959-1963). Lembrando que, como Plínio Coelho, Gilberto Mestrinho se empenhou na restauração da luz elétrica em Manaus. Coube-lhe a iniciativa de adquirir a usina flutuante que funcionava, ancorada na "beira mar" de Educandos.



O HOMEM E A LUZ
(Para o governador Gilberto Mestrinho)
No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra, porém, estava informe e vazia, e as trevas cobriam a face do abismo; e o espírito de Deus movia-se sobre as águas. E Deus disse: Exista a luz. E a luz existiu. Deus viu que a luz era boa. (Gen, I:1-4)


E só depois da criação da luz, o Senhor começou a criar as outras coisas. Pois, como poderiam existir as outras coisas se não houvesse luz?

E depois da criação da luz começou a interminável dança dos seres vivos.

Em seguida, o Senhor criou o verde das ervas aveludadas dos campos e a brancura cândida dos lírios.

E criou as árvores pejadas de frutos vermelhos e dourados, as uvas roxas e as laranjas sumarentas.

E criou os répteis brilhantes e lisos e os peixes de escamas prateadas.

E teceu as pétalas macias das rosas e as plumagens iriantes e fofas das aves e dos pássaros. E as aves começaram a matizar de ritmos lépidos e multicores a mataria densa das grandes florestas e o azul luminoso do firmamento.

E criou, também, os animais selvagens: a negra pantera, o louro leão e os lustrosos paquidermes.

E criou os alvinitentes rebanhos de mansos cordeiros e os animais domésticos.

E, finalmente, criou o homem e a mulher e lhes deu olhos e inteligência de ver o corpo e alma de amar para que completassem e amassem, deslumbrados, a maravilhosa coreografia dos volumes e das linhas, do claro e do escuro, das sombras e da luz, dos tons e dos semitons.


E a terra era um jardim de delícias.

E quando a noite cobriu a terra e apagou a cintilação das cores, o Senhor ensinou o homem a repetir o seu gesto criador.

E o homem tomou dois sílex em suas mãos inexperientes e comovidas.

E curvado sobre eles, atritando um contra o outro, arrancou do coração da pedra o mistério inenarrável do fogo.

E a luz existiu.

E, desde então, o homem aprendeu que a luz é necessária para continuar a tarefa que o Senhor lhe confiara de perpetuar e aperfeiçoar a criação que Ele apenas esboçara e iniciara.

E o homem construiu castelos, apascentou rebanhos, plantou messes, edificou catedrais, ergueu cidades, penetrou florestas, arquitetou pontes, cavou minas, fabricou navios, burilou diamantes, imprimiu livros, engenhou máquinas, represou rios, dominou os mares e os ventos, modificou a face da Terra.


E o Senhor abençoava a continuação de seu trabalho criador que se realizava em todos os cantos da terra.

E depois que haviam decorridos milênios de séculos desde aquele milagre inicial, produzido pelas mãos trêmulas do primeiro homem, o Senhor olhou para a sua criação e viu, com imensa tristeza, que aquele lugar mais belo da sua criação ainda permanecia como aquele abismo, primitivo de faces cobertas pelas trevas.


O Senhor viu, com imensa tristeza, sua criação abandonada, sua criação paralisada, sua criação permanecendo ainda no primeiro capítulo do Gênesis.

Porque não havia luz.

E o Senhor, então, criou um novo homem e lhe ensinou o milagre da luz como fizera ao primeiro homem.

E o novo homem, como o primeiro, lutou curvado, não contra a dureza do sílex, mas contra a rude crosta da descrença e da desilusão que haviam envolvido os corações de seus irmãos.


E, depois de uma luta titânica, a luz existiu.

E a criação do Senhor que, até então, fora abandonada e desprezada, começou a se agitar, a vibrar, a cantar e a dançar.

E a alegria que invadiu a criação do Senhor foi tamanha que o Senhor olhou com emoção para o lugar mais belo da sua criação, para o jubilo que se derramava do coração dos filhos dos homens e viu que era bom o que aquele novo homem fizera.


E viu que podia descansar e abençoou aquele homem e o seu trabalho e disse: Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e dominai-a, e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra. (Gen. I: 28)
  • Publicado no livro Linha d´água. Rio: Artenova, 1970.

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