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sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Corpo de Bombeiros de Manaus (V)

Revelando os Bombeiros de Manaus, focalizo ainda os episódios de 1969, concluindo a postagem anterior.
A tragédia circunda a atividade dos bombeiros, corre junto com o socorro. Na tarde de um domingo de outubro desse ano, a prontidão de incêndio foi enviada a periferia da cidade, onde o desastre já se consumara no fundo de um poço artesiano. O sacrifício de um combatente do fogo, contudo, veio sobrepor mais consternação ao já abusado espetáculo. Não se tratava de um, mas do bombeiro reconhecido por sua bravura, às vezes beirando a insanidade: Raimundo Xícharo. Ante o desenlace, os companheiros debateram a causa inquirindo porque o comandante do socorro (tenente Nogueira) não impediu o subordinado de descer, sem mínimas condições, no poço. Nogueira não exibia “pulso”, preferindo não desgostar a deliberação do falecido. Ora, não havia mais que salvar, todos estavam mortos. No entanto, o destemor do bombeiro Xícharo foi inexcedível no cacimbão do Morro da Liberdade.

Casas de madeira e palha em ruas esburacadas, e sem água
no Morro da Liberdade, em 1960
O mesmo sentimento já se manifestara em 1964, quando Xicharo escalou o mastro existente na Praça do Congresso. Destinado ao hasteamento da Bandeira, possuía cerca de vinte metros. O feito respeitoso motivou o comandante do então Grupamento de Elementos de Fronteiras (GEF), hoje Comando Militar da Amazônia (CMA), a passar o atestado abaixo, intermediado pelo comandante Nascimento (Boletim Interno, 15 dez. 1964).
Louvor: o general comandante do GEF (Grupamento de Elementos de Fronteiras) louva com satisfação o soldado n.º 72, Raimundo Xícharo, deste Corpo, pelo seu gesto destemido, que possibilitou a realização da festa da Bandeira com o brilho invulgar alcançado. Já que nos anos anteriores não foi possível encontrar quem escalasse o mastro da Bandeira, condição básica para realizar as cerimônias na Praça do Congresso. O exemplo foi lançado. O feito do soldado Raimundo Xícharo credencia-o para outras ações que exijam arrojo, determinação e desprendimento, particularmente no exercício da profissão que abraçou.


Os gases expelidos asfixiaram quatro homens no poço; diante do desespero, desceram dois “socorristas”, que se complicaram. Só então se chamou aos bombeiros, que acudiram com o grupo do tenente Nogueira e os soldados Benedito de Jesus, Raimundo Xícharo e Roberto Severiano de Castro. Segundo O Jornal (25 out. 1969), “depois que conseguiram socorrer e retirar todas as vítimas, duas das quais mortas”, o cabo que içava Xicharo rompeu-se, lançando-o à morte. No entanto, a versão do hoje sargento Castro ao autor, esclarece que o morto desceu ao poço contra todas as ordens e condições, ele “pediu para morrer”.

Para cumprimento regulamentar, o enlutado CBM divulgou no quartel (Boletim Interno, 27 out.) o lutuoso registro do destemido soldado. Continha a assinatura do 1º tenente Tertuliano da Silva Xavier, que exercia o comando interinamente. Recordou que o Bombeiro n.º 42, Raimundo Xícharo, faleceu dia 24, “por ocasião de serviço de salvamento, no Morro da Liberdade”. Depois de relatar os valores do finado, recomendou aos seus comandados que “sigam essas virtudes, para o engrandecimento do nosso Corpo de Bombeiros”.
(...) o extinto sempre soube comportar-se disciplinarmente de acordo com as normas regulamentares e gerais de administração, cumprindo o seu dever de maneira exemplar, todas as vezes que para isso era chamado. Não só demonstrou tais virtudes para com esta Corporação como para com todas as outras organizações militares e civis. O ex-bombeiro sempre foi um elemento de fibra e de coragem, valendo ressaltar o elogio que mereceu em 15 de novembro de 1964, do Exmo. Sr. general comandante do GEF, pelo gesto destemido como conseguiu subir um mastro de 30m de altura (sic) existente na Praça do Congresso, para colocar a Bandeira Nacional, para os festejos do Dia da Bandeira, naquele ano, coisa que ninguém ainda havia conseguido fazer. E tantas outras demonstrações de um verdadeiro “soldado do fogo“, que se deixa de relatar.


Lei Xicharo, 1970
Em reconhecimento ao sacrifício deste bombeiro, o governo do Estado concedeu a sua família uma pensão, que certamente já se extinguiu. O esquecimento já tomou conta de tantos, dele igualmente. Mas, onde andam seus descendentes? 

Outros "xícharos" atravessaram com intrepidez esta Corporação, enobrecendo-a. Feridos ou mortos no duelo contra o fogo, alguns foram heroicizados, outros nem tanto. A esses outros, a respeitosa veneração dos que prosseguem conduzindo o dístico de zelar pela vida e bens alheios. O gesto heróico desse soldado perpetua a memória de tantos heróis anônimos que cruzaram pela corporação de Leovigildo Coelho.
Tenente Nicanor Gomes

Excelente notícia fechou o ano do Corpo de Bombeiros de Manaus. Muito benvinda, após o desastre do cacimbão. No Rio, o cadete AM.1 Nicanor Gomes da Silva concluiu com aproveitamento o Curso de Formação de Oficiais. Obteve o total de 1920,5 pontos e conquistou o 8.º lugar, na turma de 23 alunos. Logo ele que era o único arataca (oriundo de outro estado). A formatura ocorreu em 16 de janeiro de 1970.



Conhecido no CMA o infausto desenlace, aquele comando oficiou ao Corpo de Bombeiros. No corpo da mensagem, repassa a proesa do Xicharo, da “necessidade de que uma pessoa subisse o mastro para a Bandeira, e lá colocasse uma adriça”. Soldados do QG e até mesmo do CB tentaram sem, contudo, conseguir o objetivo. Xicharo, mostrando desprendimento, habilidade e coragem, escalou o mastro. Assim prestou enorme colaboração “para que o Símbolo Sagrado da Pátria acenasse para mais alto os grandes destinos do Brasil.”
A imprensa enfatizou a tragédia do cacimbão. Sabe-se como começam tais ajuris, reúnem-se amigos ou vizinhos e, sem muita prudência, passam a executar alguma tarefa. Desafiando a providencialidade, Manoel Floro Monteiro de Sousa (motorista da Delegacia Especializada de Segurança Pública, rua João Goulart, 5), auxiliado pelo vizinho José Araújo da Silva (24a, rua Amazonas, 30), colocou a funcionar dentro do poço caseiro (28m) “um motor à explosão”. Floro esperava “esvaziar a água de um cacimbão” em construção no quintal, porém, encontrou a morte, juntamente com dois parceiros, e colocou em “polvorosa grande parte do Morro da Liberdade”.

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