CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, novembro 27, 2011

L. Ruas: 80 anos


L. Ruas pelo J. Maciel, 1982
Luiz Augusto de Lima Ruas será homenageado no IEPES, pela manhã, e a tarde-noite no ICHL, da Ufam.
Nascido em Manaus, em 1931, na av Joaquim Nabuco, no seio de uma família de posses. Do lado materno, teve por tio ao artista plástico Branco Silva (+1959), criador de um presépio que alegrou aos meninos da década de 1950. Eu tive esse privilegio, o de sonhar junto aos animais “falantes”.
  Manaus, todavia, já enfrentava dura realidade econômica. Desde o início da segunda década do século, com a primeira guerra mundial, que afetou a navegação marítima. Seguida da entrada da borracha asiática no mercado. Enfim, o desastre da Bolsa americana, em 1929.

  Foi sob esse clima que a capital amazonense acolheu ao Luiz Augusto. Mas, ainda havia recursos aqui. O curso primário (como se denominava à época), ele realizou no Grupo Escolar Farias Brito (ainda existente, depois de várias mudanças).

  Agora, um ligeiro retrospecto da existência do Seminário S. José. Criado em 1848, era o único colégio secundário de então. Desaparecido no inicio do século XX, funcionou onde hoje se encontra a agencia do BB, próximo da Matriz. Dom João da Mata Andrade e Amaral, um pernambucano destemido, decidiu reabrir o SSJosé. Não mediu os desafios imensos, sem local, sem verbas.

  No dia de São José de 1943, o bispo abriu as portas do SSJosé. Localizado na residência episcopal, ao lado do Colégio Dom Bosco. Cuidavam do SSJ os padres salesianos. Ruas, Normando, Bessa, Orígenes e outros fizeram parte deste grupo. O seminário deu certo.

  Ao final do seminário menor, em 1949, os concludentes foram encaminhados a outros centros religiosos. Ruas e cinco colegas foram encaminhados para o Seminário da Prainha, em Fortaleza. Este, por motivo de intervenção, era dirigido pelos padres lazaristas, da província mineira. Ali, Ruas aprende com o padre Josaphat (professor de filosofia), depois este passaria aos dominicanos. Nessa situação, entre 1961-64, com Ruas integrariam a corrente revolucionária da Igreja.

  Encerrado o curso de filosofia, e já matriculado em teologia, o clérigo Ruas desembarca, em 1952, na Capital Federal. O Rio era então o centro político e literário do país. Tem contato com poetas e escritores da época: Bandeira foi o mais marcante. O colega Antonio Carlos Villaça definiu o Ruas em Nariz do morto (1970).
Facsimile extraído de livro


  Apesar do pouco tempo no seminário do RJ, Ruas foi presidente do Centro Acadêmico “Santo Tomás de Aquino”. Conta uma lenda religiosa que Ruas impressionou ao cardeal Barros Câmara, ao apresentar trabalho teológico. E mais outra: em função de sua competência, teria sido convidado para ingressar no clero do RJ.

Não aceitou, pois, em 1954, Dom Alberto Ramos inaugurou o seminário maior, ainda na rua Emilio Moreira. E fez recolher ao seu abrigo os seminaristas espalhados pelo país. Ruas estava cursando o quarto ano de Teologia.

Assim, em 31 outubro, o bispo do Amazonas ordena o padre Luiz Ruas. Esse ano ficou marcado no Brasil pelo suicídio de Vargas (agosto). Mas, em Manaus, tivemos outras marcas: fundação da Rádio Rio Mar; criação do Instituto Christus, hoje CIEC; e fundação do Clube da Madrugada (22 novembro). Em todas essas organizações, o padre Ruas foi participante.

Programação do ITEPES
Logo começou a escrever em jornais. Começou pelo Universal, da igreja católica. Uma publicação malcriada – A inutilidade do padre, circulada em outubro de 1955, o excluiu do semanário. Apesar da aparência, em contraponto, ele publicou no Jornal do Commercio (1959) – Padre: mistério de fé e caridade (em cinco partes).

    Esteve em A Crítica, escrevendo a coluna Ronda dos fatos (1957-58). Mais adiante, e com maior ênfase, contribuiu com a página do Clube da Madrugada, encartada em O Jornal. Também encontrei trabalho literário de L. Ruas no Diário Oficial e Jornal Cultura.

 Seus livros: Aparição do clown (1959), mas tido como lançado em 1958. Após severa pesquisa, encontrei a reportagem sobre o lançamento do livro, em 31 de janeiro, mesma data da posse de Gilberto Mestrinho (1959-63). A segunda edição é de 1998, pela Valer. Depois, Linha d´água: crônicas (1970), foi um resultado de seu trabalho em A Crítica. Um “livro legendário”, pelos obstáculos superados até seu lançamento.

O terceiro: Os graus do poético (1979) traz a chancela da Rádio Rio Mar, que o produziu em comemoração aos 25 anos de sua fundação. São ensaios sobre autores brasileiros e, quase todos, já então publicados na imprensa.

O quarto e último foi Poemeu (1985). Um livro de poesia, vencedor de prêmio do Governo estadual em 1970. A edição aconteceu 15 anos depois, e ocorreu pela dedicação dos amigos do autor.

Vasculhei todos os arquivos possíveis, em busca das publicações com a chancela de L. Ruas, que não foram inseridas em livros. Da expressiva quantidade, consegui publicar Cinema e Critica literária de L. Ruas (2010). E organizei, sob o título de Intérpretes de Aparição do Clown (2010), as matérias circuladas na imprensa e em outros compêndios sobre este poema.

Acabo de conhecer a “interpretação” de Alencar e Silva, morto em setembro, em cujo livro póstumo – Quadros da Moderna Poesia Amazonense (2011) – reverencia ao amigo-poeta L. Ruas.

Enfim, tenho ainda organizado: Reconstrução do clown (prosa de ficção), primeira parte, e Poesia reunida. No prelo, pois.

L. Ruas também cuidou de cinema e teatro. Três apontamentos: os cineclubes que funcionaram em Manaus nas décadas de 1950 e seguinte tiveram a participação dele. Colaborou na revista Cinéfilo, do professor José Gaspar, que foi “orientado” pelos militares a encerrá-la no 4º número.

No teatro, em 1959, o padre participou da peça Auto da Compadecida, no papel do Palhaço. Teve respeitável desempenho, mas deixou traumas na hierarquia sacerdotal. No Parque Amazonense, em 1963, dirigiu o Auto da Paixão. Este trabalho ficou apenas na estreia, pois, no ano seguinte, o padre Luiz Ruas passou a Semana Santa encarcerado.

Recolhido ao quartel do 27º BC, hoje 1º BIS, em São Jorge, onde foi o primeiro vigário. Permaneceu preso por quarenta dias, e se sabe da visita de Dom João de Souza Lima, ao menos em uma oportunidade. Entre outras motivações: a atuação “revolucionária” deste sacerdote, conforme se deduz da edição da revista Nosso Século, em estudo sobre a Igreja no Brasil.

   Debate entre L. Ruas e Jefferson Péres. Na transposição de fevereiro de 1958, os dois jovens travaram pelo jornal uma disputa séria. Para saber mais, consultei ao senador Péres sobre o incidente. Ele o esclareceu em respeitosa carta.

 L. Ruas e a Academia Amazonense de Letras. Em 1971, este intelectual, apesar de candidato único para a vaga de Sebastião Norões, não obteve quorum. Foi reprovado, em observância ao regulamento da Casa de Adriano Jorge. Então, ele virou as costas ao sodalício.

Pássaro ferido, bem ferido. O AVC sofrido pelo padre L. Ruas aconteceu na sacristia da igreja dos Remédios. Levado ao hospital salvou-se, mas com graves sequelas, as quais o incapacitaram de escrever e de falar. Foi um martírio para quem passara a vida como pregador e professor e jornalista e cantor e poeta e prosador e cronista radiofônico.

     Professor José Seráfico escreveu uma memória sobre o autor de Aparição do Clown. A finalização dela transcrevo abaixo:

   Não foi dado sequer o tempo de colher o fruto de seu canto. Tão cedo se foi, quando havia tanto a fazer – e a ensinar. Convenhamos que antes dos setenta anos deveria ser crime morrer. Talvez sua missão já se tivesse cumprido. Quem o saberá?

Se a parca encerra em si mesma, além do luto e da dor dos que ficam, o simbolismo tão parco na mente dos sobreviventes, ela não nos terá poupado da coincidência com que às vezes se manifesta: Luiz Ruas, perseguido pelo golpe militar de 1964, deixou-nos na mesma data em que a ofensa cívica ocorrera – era primeiro de abril do último ano do século XX.

Pena que, nesse caso, não havia mentira. Luiz Augusto de Lima Ruas partia para nunca mais.

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