CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, outubro 23, 2016

DISCURSO DE POSSE (2)

Quadro da Princesa Isabel,
do acervo IGHA
Terceira parte do meu discurso de posse ao ingressar no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, em 4 de novembro de 1994.

DE ONDE VENHO E PARA ONDE VOU

Venho do Seminário São José, quando ainda situado na rua Emílio Moreira, 6
01, bairro da Praça 14 de Janeiro, onde obtive consolidada formação humanista e religiosa. Desta, resulta meus intensos agradecimentos à Deus por este ato de bondade de Vossas Excelências, que me consentiu ocupar a Cadeira 24, patronada por Frei Gaspar da Madre de Deus.

Do meu antecessor, Dom João de Souza Lima, tive o privilégio de, na condição de seminarista menor, acolitá-lo nas solenes festas religiosas em nossa secular Catedral e outros templos, como na sagração da Igreja de São José Operário, dos padres salesianos, no entroncamento das ruas Visconde de Porto Alegre com Ramos Ferreira.

Aproximo-me deste sodalício, vindo do Quartel da antiga Praça da Constituição, local onde se perfilou em 8 de novembro de 1897, o 1º Batalhão do Regimento Militar do Estado, comandado pelo tenente-coronel Candido José Mariano, combatente distinguido na Campanha de Canudos, cujo centenário já estremece a Nação por força da obra imortal de Euclides da Cunha - Os Sertões.

Acerca do comandante Candido Mariano, venho arregimentando recursos para muito breve editar uma biografia do herói de muitas campanhas, além de participante da fundação de Sena Madureira, no estado do Acre.

Procedo ainda do outrora quartel do Canto do Quintela, onde se aprestava o Corpo de Bombeiros de Manaus. Em nossos dias, transmudado em sede do Museu do Homem do Norte. Oh! tempos difíceis, tempos heroicos. Melhor dizer, tempos oportunos para que os bombeiros demonstrassem toda a dedicação pela Cidade e o desprendimento para enfrentar o perigo. Ali compreendi os objetivos primordiais deste serviço, aprendi a servir com devotamento, acreditando que cada singela tarefa, executada por um simples camarada, traz benefício coletivo. Assimilei, senhor comandante do Corpo de Bombeiros, que o heroísmo escolta cada comboio, em cada chamada, a mais rotineira possível.

Ingresso na Casa de Bernardo Ramos com modesto trabalho literário dado a lume, todo ele volvido à divulgação da história da Polícia Militar do Amazonas, instituição criada ainda no período imperial que, desde 4 de abril de 1837, presta segurança à sociedade amazonense. Corporação, entretanto, que foi capaz de abrigar homens de diversas virtudes. Os fatos revolucionários, dos quais teve participação coerente, talvez prestem às reminiscências uma revelação com tal miopia, com certa visão disforme.

A instituição da segurança estadual abrigou alguns membros deste sodalício: Ramayana de Chevalier, coronel médico, escritor de méritos, jornalista de nome nacional; Octavio Sarmento, tenente-coronel comandante interino em 1920, fundador e membro da Academia Amazonense de Letras; Álvaro Botelho Maia que, ao regressar a Manaus, graduado em Direito, exerceu a função de Juiz Auditor de Guerra, com o posto de capitão, e cuja biografia dispensa maiores comentários; Djalma Batista, intelectual de nomeada, serviu temporariamente no posto de capitão médico da Policia Militar, quando do comando do coronel Gentil João Barbato (1941-45); Gonzaga Tavares Pinheiro, aposentado coronel, que em 1932, ainda capitão, era prefeito nomeado de Itacoatiara, onde protagonizou a célebre disputa contra as forças rebeldes vindas de Óbidos (PA), pugna conhecida nos compêndios regionais como "Batalha Naval de Itacoatiara"; Djalma Vieira Passos, oficial superior da PMAM, igualmente intelectual de recursos, com várias publicações editadas e comprovado efetivo desempenho seja na Assembleia Legislativa do Estado seja na Câmara Baixa do país.

Assumo a Poltrona 24 rememorando a escola inspiradora de meu hábito pelos livros - o Seminário São José de Manaus, orientado pelos padres diocesanos, enquanto lá estudei. Homenageio a este estabelecimento, recordando dois de seus Reitores: ao Padre Jorge de Andrade Normando, de tradicional família amazonense, que vive atualmente em Belém do Pará, servindo a comunidade, como auxiliar da paróquia de Santo Antonio de Lisboa. É-me igualmente justo recordar ao padre Antonio Juarez de Moura Maia, na condição de ecônomo por longos anos, a quem devo inúmeras provas de amizade, capazes de me conduzir pelas sendas da cidadania e da dignidade. Reverencio a este aqui e agora, na pessoa de seu representante, o tenente-coronel Raimundo Pereira da Encarnação, por esta oração. A propósito, padre Juarez Maia acaba de ser agraciado com o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre, cidade onde reside e exerce seu múnus sacerdotal.

Quero assumir neste instante solene um compromisso para com a Casa de Ensino mais antiga do Estado, o Seminário São José. À proximidade de seu sesquicentenário, porquanto fundado pelo bispo do Pará - Dom José Afonso de Moraes Torres, em 18 de maio de 1848. Neste estabelecimento, entre 1956 e 1965, tive o ensejo de caminhar pelas letras e pelos clássicos nacionais, igualmente pelo verbo do autor de Aparição do Clown, padre Luiz Ruas, poeta laureado que, vitimado por acidente vascular cerebral, se conforta com as orações de seus ex-discípulos e fieis paroquianos, como agora em que aproveito para rogar ao Altíssimo por sua recuperação.

Escrever a História do Seminário São José constitui-se, pois, um compromisso sagrado que estabeleço com a arquidiocese de Manaus, no instante em que assumo a Poltrona 24, ontem ocupada por Dom João de Souza Lima, a quem solicito o devido entusiasmo para meu melhor desempenho. Que Deus, igualmente, me ilumine!

APELO

Suplico aos presentes para que não se assustem com o estado das instalações, nem imaginem descaso para com a edificação, pois, conheço a dedicação do Senhor Presidente e do Secretário-Geral, Dr. Gera1do dos Anjos, na busca incessante por uma solução para o problema. Apelo, enfim, às autoridades: concedam uma, mais uma ajuda a este Instituto. Para que sirva assim de atração aos jovens estudantes da cidade de Manaus, cuja presença efetiva possibilite a renovação de seus quadros.

AGRADECIMENTOS

Enfim, senhores acadêmicos, meu sincero agradecimento pela acolhida singela a este garimpeiro dos arquivos regionais, que opera com a sofreguidão de quem parece ter partido com atraso. Sou grato particularmente ao autor de Gazeta do Purus que, ao relatar a fundação e o fausto da “Princesinha do Iaco”, me ensinou a admirá-la e me fez aprofundar nos encantos acreanos. Ao Dr. Antonio Loureiro, a minha continência regulamentar.

Na pessoa do comandante-geral – sou reconhecido à Polícia Militar do Amazonas, fonte de inspiração e tema de meus relatos, cuja saga, cuja história prometo divulgar. Este será meu propósito na Casa de Bernardo Ramos. Que todos saibam que, onde se encontrar um policial militar, no ponto mais isolado do território amazonense, ali certamente se escreve um conto de heroísmo e abnegação.

O derradeiro agradecimento (pela ordem de nobreza) vai para o peruano de Caballococha - Manuel Mendonça Malafaya, fundador da dinastia proletário dos Mendonça. Vindo de Iquitos para Manaus, sabe Deus como!, acreditando topar com o Eldorado, serviu por décadas na firma J. G. Araújo & Cia. Ltda. Apenas alfabetizado, confiou-me que a educação sempre foi o caminho altaneiro para o sucesso. Em razão dessa premissa, obrigou-me a estudar com afinco, prometendo por prêmio a vitória como a que acabo de alcançar. A ele dedico com ardor filial esta noite.

Repito como ocorria, ao final de cada discurso no Seminário São José:
Deo gratias (graças a Deus)!

Manaus, 4 de novembro de 1994.

Roberto Mendonça
 

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