CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, outubro 20, 2016

DISCURSO DE POSSE

Detalhe da Sala Arthur Reis, no IGHA
Há quatro décadas tomei assento no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, ocupando a Cadeira 24, cujo patrono é Frei Gaspar da Madre de Deus. Ocorreu em novembro de 1994, quando sucedi a Dom João de Souza Lima, que fora por décadas pastor da Igreja amazonense.

Como é de praxe, elaborei e li o discurso de posse, que deve ter a divulgação na Revista da Casa. Como até o presente tal procedimento administrativo não se consumou, tomei a iniciativa de fazê-lo no meu Blog. Assim vou proceder por três postagens.

Senhor Presidente
Comendador Junot Carlos Frederico,

Demais autoridades
Senhoras e Senhores

Os desígnios divinos e a magnanimidade de Vossas Excelências consentiram esta solenidade pontilhada de luzes, sobretudo das intelectuais de seus dirigentes, para abrir-me em definitivo as portas desta nobre Instituição. Neste instante, em que me incorporo aos ilustres membros desta Casa de Cultura, acatando a convocação para “sagrar-me cavaleiro de uma cruzada de cultura regional, por graça da cordial confiança e complacente consideração dos integrantes deste silogeu”, especialmente de seu presidente, comendador Junot Carlos Frederico, cujo trabalho na direção do Museu de Numismática, hoje instalado no quartel do comando-geral da Polícia Militar, bem muito nos aproximou. A proximidade foi iniciada pela conversação singela e pelo interesse mútuo na pesquisa; depois, pelo incentivo e pelo devaneio em promover o Museu Tiradentes – que me cabia a direção, com formato atualizado e, acima de tudo, dinâmico.
Detalhe da entrada principal do IGHA

O rendimento desse trabalho ensejou a proposição de meu nome para integrar esta Casa. Atitude efetivada pela fidalguia de seu digno presidente que, em duas oportunidades, abriu-me as consagradas portas do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA): a primeira, quando me permitiu a leitura de livros e obras raras do acervo, com as regalias de veterano membro; esse manuseio, essa busca incessante pela veracidade histórica, acredito, inoculou-me o vírus da pesquisa. A segunda, ocorre neste momento solene, quando adentro pela porta faustosa, conduzido pela aceitação dos componentes do IGHA, entusiasmados embaixadores dos fastos amazônicos, para tomar posse na Cadeira 24, cujo patrono é Frei Gaspar da Madre de Deus.



DO PATRONO

Nascido Gaspar Teixeira de Azevedo, na cidade de Santos (SP), em 1699, descendia das mais antigas famílias instaladas nas cercanias vicentinas. Seu pai – Domingos Teixeira de Azevedo, era coronel do Regimento de Ordenanças de Santos, e, seu avô, fora capitão-mor de São Vicente, hoje município de São Paulo.
A morte de seu genitor modificou a destinação da família, pois, dos seis filhos de Domingos, apenas dois (inclusive duas irmãs) não ingressaram em ordens religiosas. Assim, em 1715, ao professar na Ordem dos Beneditinos, na cidade de São Salvador (BA), Gaspar tomou a designação de Madre de Deus.
Em Salvador, mais de duas décadas adiante, em 15 de agosto de 1732, quando foi ordenado sacerdote, já obtivera transcendência entre os irmãos religiosos, motivo pelo qual foi enviado para a sede provincial, no Mosteiro de São Bento (RJ). Licenciado em filosofia e teologia, por exigência de sua formação profissional, lecionou estas disciplinas na própria congregação. Transferido para a cidade de São Paulo (SP), foi provincial do mosteiro da Ordem.
Em 1746, encarou um encargo nobilíssimo para sua irmandade: defender os direitos do mosteiro beneditino de Santos (SP) e do santuário de Nossa Senhora do Monte Serrat, em contestação pelos carmelitas. Para cumprimento desta obrigação, redigiu Dissertação e Explicações, calcando sua tese em bem fundamentados conhecimentos da história da capitania de Santos.
Três anos depois, defendeu teses de Teologia e História, ocasião em que recebeu o título de Doutor. Nessa ocasião, declinou do cargo de abade de São Paulo, por não desejar se retirar do Rio de Janeiro. E mais. Na capital baiana, foi eleito membro da Academia Brasílica dos Renascidos (1759).
Enfim, frei Gaspar da Madre de Deus aceitou o encargo de abade do convento do Rio de Janeiro, assumindo em 2 de outubro de 1763. Durante sua gestão, que durou três anos, este abade promoveu consideráveis melhoramentos, essencialmente na biblioteca e no arquivo do convento.
Este encargo foi encerrado devido sua elevação ao cargo de abade provincial dos Beneditinos no Brasil, no qual se manteve por um triênio, quando então, aos 70 anos, se recolheu ao mosteiro de Santos. Ainda retornou por breve tempo ao Rio de Janeiro, como mestre de noviços.
Quando recolhido ao claustro de Santos dedicou-se completamente às investigações históricas. Para bem conduzir suas pesquisas, dedicou-se “em visitar os arquivos, a coordenar a enorme messe de documentos trazidos do Rio de Janeiro e da Bahia, a traduzi-­los e comentá-los”. Não somente os de Santos, mas também os das cidades do litoral paulista, tanta dedicação o fez alcançar a capital, a cidade de São Paulo.
Notabilizou-se pela investigação nos arquivos que manuseou, inicialmente no Rio de Janeiro, onde colheu elementos valiosos para suas obras, quase todas inéditas.
Frei Gaspar escreveu inúmeras obras, não sendo conveniente destacar a mais notável. Somente para ilustrar este panegirico, relembro: Memórias para a história da capitania de S. Vicente, publicada em Lisboa (1797), e Notícia dos anos em que se descobriu o Brasil e das entradas das religiões e suas fundações (1784).

A importância deste religioso para o entendimento da história pátria se tornou incomensurável, seja pela sua competente formação religiosa, seja como hábil administrador de uma respeitável congregação religiosa que se espalhou pelo Brasil, seja, enfim, a do mestre de História que soube recolher com avidez nos documentos então circulantes as melhores e bem conceituadas asseverações sobre nossa História. Foram esses admiráveis atributos, estou convicto, que conduziram os dirigentes do IGHA a outorgar-lhe o patronato da Cadeira 24.


Frei Gaspar da Madre de Deus morreu em sua cidade natal, aos 81 anos, em 1800. 

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