CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, março 25, 2017

IGHA: RAZÕES DE MINHA DESERÇÃO

O IGHA completa hoje o primeiro centenário. Haverá festa, é inquestionável, porém estarei longe, porque no início deste ano solicitei meu afastamento em definitivo. Aguardo a decisão da nova presidência, mas não ficarei como tantos associados que apenas se afastam. 
Desejo ser um ex-agremiado do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Assim vou me tornar o primeiro a conseguir seu descredenciamento, em cem anos. 
Abaixo seguem as razões de minha deserção:




Na sede do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), existem duas entradas: a principal, pela rua Bernardo Ramos, e a secundária, digamos, de serviço, pela rua Frei José dos Inocentes. Habituei-me a circular por esta devido o conforto que oferece, com escada bem mais larga e sem a perigosa recurva da principal. Há cerca de 30 anos, inicialmente como visitante, subi e desci pela do Frei.

Oficial da Polícia Militar estadual interessei-me pelo estudo da História amazonense quando servia ao Governo no Palácio Rio Negro, entre 1983-84. A motivação fortaleceu-se ao consultar à exaustão a coleção do Diário Oficial microfilmado, ali existente. Copiei o quanto me interessou, o mesmo fiz em todos os acervos da matéria existentes na cidade.

Ainda assim, levei um decênio com publicações jornalísticas até lançar o primeiro trabalho sobre a PMAM – Digesto (1993). Uma coletânea de leis e decretos de interesse do Corpo Policial que, pela minha inaptidão, se tornou algo “indigesto”, parodiando o título.

Veio, então, a minha recepção na Casa de Bernardo Ramos, em 4 de novembro de 1994, pelas mãos do falecido presidente, comendador Junot Carlos Frederico. Ocupei a Cadeira XXIV de frei Gaspar da Madre de Deus, vaga pela morte de dom João de Souza Lima, bispo de Manaus. Aos presentes, apelei para que não se assustassem com o estado deplorável das instalações, nem imaginassem descaso da direção com o edifício.

Apesar do estado deplorável, sentia-me confortável e repleto de entusiasmo. Imaginava-me reunindo-me entre as “feras”, ocupando a mobília centenária. Não demorou muito essa chance. Para decidir sobre o ingresso de novo associado, fui cooptado pelo sócio Geraldo dos Anjos. No dia aprazado, lá estavam entre outros os sócios Humberto Figliuolo e Francisco Gomes, além dos citados. De surpresa, compareceu à sessão o associado Roberio Braga.

O jornalista Arlindo Porto, homem de marcante formação espírita, presidia a Casa e, como dever, a sessão vespertina. Indicado pelos associados favoráveis, encaminhei positivamente a escolha de Gaitano Antonaccio. Toma a palavra o sócio Robério Braga para se contrapor à posse do aspirante. E, se vencido, ameaçou abandonar o IGHA. Em outras palavras, apartar-se em definitivo da agremiação se Antonaccio fosse eleito. E, para provar sua resolução, exibiu aos presentes o requerimento de sua lavra.


Assustado, encolhido atrás do balcão de reunião, esperei pelo Presidente. E, qual não foi meu desapontamento ao assistir o presidente recuar. Desculpar-se ao associado opositor por ter aceito aquele requerimento e permitido a manifestação dos associados. Para encurtar a conversa: ainda hoje Gaitano Antonaccio prossegue no índex do IGHA, tanto que nunca mais se atreveu a repetir a façanha. Preferiu construir “sua” casa de cultura, reconhecida por Alcear.

Em 1995, publiquei concisa retrospectiva sobre o Corpo de Bombeiros de Manaus. Enquanto trabalhava algo concreto sobre a participação da PMAM em Canudos (BA), sabedor de que o centenário desta insurreição se aproximava. 

No período, o presidente Arlindo Porto e o sócio Geraldo dos Anjos mexiam seus pauzinhos, em busca de ajuda para restauração do IGHA, arruinado inteiramente. Um dia, fui convidado para uma reunião com o presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Marcio Souza, representando o Ministério da Cultura.

Como estivesse com meu livro sobre Cândido Mariano & Canudos devidamente finalizado, resolvi solicitar auxílio ao reconhecido amazonense. Ao final do encontro agendado, entreguei meu trabalho ao presidente da Funarte. Senti o mal estar da autoridade, mas prossegui esperançoso por um melhor resultado. Todavia, nunca recebi qualquer retorno. Este livro, enfim, foi publicado pela Editora da Ufam.   

Ainda nesse período, integrei a Diretoria da Casa na função de tesoureiro, nela permanecendo até o início de 1999, quando passei a residir em Recife (PE), a fim de frequentar o Mestrado na Universidade Federal de Pernambuco (que, lamento, capotou na metade do caminho).  

Em decorrência das démarches, o IGHA recebeu o cuidado governamental – mais uma vez! – quando teve restaurada a edificação. Todavia, carecia restaurar o acervo que, em decorrência das obras de alvenaria, se encontrava em estado falencial, entregue à poeira e às traças.   

De retorno a Manaus no ano seguinte, apresentei-me ao ainda presidente Arlindo Porto. Ofereci-me e fui aceito para conduzir a restauração do acervo. Empregando mão de obra muito devotada, dirigi esse empreendimento a proveitoso destino, esse que o Instituto ora desfruta. Para isso, utilizei recursos financeiros do Instituto auferidos do Governo, do aluguel de imóvel, além de contribuição de associados, como Roberio Braga e Humberto Figliuolo, então tesoureiro, além as de meu soldo.


Quase impossível foi resgatar a biblioteca. Transformada em um amontoado de livros, de revistas e de periódicos cobertos de pó, tinta e cimento. Especialistas consultados por mim condenaram-na ao lixo, como se não houvesse solução. Mas houve quem me indicasse uma saída: o emprego de CO2 e saco plástico (mais ou menos isso). Sem outra escolha, experimentei e, com a equipe empenhadíssima, logrei inteiro êxito, tanto que a Biblioteca Ramayana de Chevalier reergueu-se e prossegue sendo utilizada.

Durante esse processo, a reportagem do matutino A Crítica visitou o IGHA, quando me entrevistou. Disse com franqueza sobre o que se processava e o jornalista escreveu segundo a pauta recebida. Saiu em página inteira com direito a fotografias; entusiasmado, pensei ter acertado. Qual nada. Ouvi protestos de sócios (Baze e Figliuolo, garanto), sobretudo porque não mencionei o presidente titular. Com ou sem os méritos reconhecidos, meu trabalho verdadeiramente braçal chegou a bem-feito termo.

Reaberto o IGHA, meu nome foi aventado para a presidência. Declinei da indicação em favor do sócio Roberio Braga, que poderia alavancar maiores recursos para o Instituto que tentava – mais uma vez – se alevantar. Fui eleito vice-presidente e, no impedimento do titular mencionado, dirigi a corporação. Nessa condição, estive presente às comemorações de seu 90° aniversário.

Encerrado o mandato, proclamei a minha pretensão de dirigir a Secretaria-Geral. Entretanto, qual não foi meu desapontamento, minha consternação ao ser incluído apenas na inexistente Comissão de Geografia, História, Etnografia, Antropologia e afins (ou coisa semelhante). Como até hoje esta nunca funcionou, não iria funcionar desse modo. Principiou-se nessa circunstância meu inferno.

Na eleição seguinte, decidi participar do pleito, com a Chapa intitulada Fechado nunca mais!, em alusão aos períodos que o IGHA passara cerrado ao público, e não foram poucos. Não agradou ao presidente Francisco Gomes da Silva (no impedimento do titular). Revelada a minha chapa, logo dois associados – Marita Monteiro e Abrahim Baze, recorreram à presidência para acusar-me de ter incluído seus nomes sem autorização. Dispensei os dois. O presidente Gomes insistiu com outras questões de somenos, quando então compreendi que minha candidatura no mínimo perturbava, e que estava fadada ao entulho.

Para contrapor à minha candidatura, o presidente Braga lançou a da confreira Edinea Mascarenhas. E mais, compareceu para presidir as eleições. No íntimo, eu já havia desistido, precisava somente anunciar. Aproveitei o congresso reunido para fazê-lo, ocasião em que relatei parte do que aqui subscrevo. 

Quem sabe não tenha encontrado forças para resistir, pois, encerradas as palavras, levantei-me abruptamente e me retirei do salão qual um brucutu. Ao passar pela candidata, ainda me restou um caco de civilidade para desejar-lhe sucesso.

Nesse meio tempo, concorri e obtive triunfo em dois prêmios literários. O primeiro, em 2006, patrocinado pela Academia Amazonense de Letras pelo centenário de nascimento de Genesino Braga. Vitorioso, levei o cheque e a placa alusiva ao feito; porém, nunca houve a prometida edição do livro, a despeito de ter eu consultado ao presidente José Braga prometendo publicá-lo às minhas expensas. Nem assim, tio Vinvim.        

No ano seguinte, acatando o edital da Manuscult, concorri aos prêmios Cidade de Manaus. Examinando um tema recorrente, escrevi Administração do coronel Lisboa e conquistei o Prêmio Arthur Reis (Ensaio Histórico). Nesse caso, além do cheque, a Prefeitura de Manaus cumpriu o acordado: publicou o livro.

Encerrada a gestão Mascarenhas, decidi candidatar-me à presidência. Acautelado, elaborei a chapa. Todavia, pequei ao ter retornado de viagem na véspera da eleição. Ainda assim, observei o esforço do presidente titular para pôr em campo seus abnegados. Recordo-me bem da presença dos associados José Aldemir de Oliveira, reitor da UEA, Jayme Pereira e José Barros de Carvalho. Resultado: José Geraldo dos Anjos foi eleito. E, novamente submergi, a despeito do apelo do confrade Humberto Figliuolo para que eu cooperasse com a nova diretoria.

No início de 2012, quatro anos depois, o confrade Antonio Loureiro armava-se para disputar a presidência do IGHA. Ao me anunciar seu intento, fez-me o convite para eu ser o vice-presidente. Aceitei sem relutar, almejando mais-uma-vezinha contribuir com o Instituto. Loureiro aconselhou-me silenciar sobre a proposta, aguardando o desenrolar dos preparativos.

Ao final do ano, perguntei ao candidato quando seria a eleição, pois desejava viajar. Disse-me da data, porém nada sobre o arranjo da chapa. A eleição ocorreu por aclamação.  Ao ser revelada a nova diretoria, descobri que meu nome havia sido “censurado”. Sequer integrava o “rabo do cavalo do bandido”, sabe aquele apêndice de suplentes do conselho fiscal?    

Outra vez, absorvi a porrada. Ratifica isso a dedicação com que me empenhei em organizar dois números da Revista do IGHA. Para isso, envolvi inclusive recursos financeiros próprios. Um dia, para economizar na produção deste periódico, fui dispensado pelo presidente Loureiro. Restou-me a antipatia da filha do saudoso professor Mário Ypiranga, obtida no curso desse trabalho.      

Eis que chega nova eleição (dezembro 2016), comigo recolhido ao meu sutil posto de acólito. No ensejo, o presidente Loureiro anunciava aos que queriam ouvir que a nova presidência caberia ao associado Roberio Braga. Às vésperas do pleito, o associado Humberto Figliuolo me telefonou para me consultar sobre se aceitaria integrar a diretoria, como tesoureiro, se não estou equivocado.  Tudo muito bem, prometi ajudar.
Véspera da véspera, no entanto, Figliuolo retorna pelo celular anunciando o resultado de sua proposta: meu nome havia sido impugnado, vetado para qualquer cargo (como fora outras vezes); que eu fosse catar coquinhos em outro terreiro. E mais, o associado Braga, à revelia do presidente Loureiro, havia “escalado” Marilene Correa para a presidência.

Fazer o quê? Depois deste recado tão explícito? Retomei a decisão que estava arquivada, arrumei os apetrechos que me ligavam ao IGHA e os enviei com carta à nova Presidente para as providências. A devolução do diploma e do brasão indicam meu banimento ou, como aqui nomeio, a minha “deserção”.

Fui, saí pela mesma escada, cujo corrimão me amparou sempre. A escada que me suportou os achaques, e que me permitia saudar Dona Chiquinha, “imorredoura” zeladora, sempre a me desejou a melhor ventura. Obrigado!


Nenhum comentário:

Postar um comentário