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quarta-feira, outubro 11, 2017

RODOVIA PURUS-MADEIRA (3)

Terceira e última parte da exposição produzida pelo professor Agnello Bittencourt descrevendo as tentativas de ligar os rios Purus e Madeira por via terrestre, seja ferrovia seja rodovia. As duas primeiras partes foram postadas em 9 e 10 do corrente. O trabalho foi publicado no Boletim da ACA, em fevereiro de 1953.


RODOVIA PURUS-MADEIRA

Em 1912, quando se tratava de executar a tristemente célebre Lei de Defesa da Borracha, em que foram gastos mais de dez milhões de cruzeiros do Governo Federal, sem proveito algum, surge, na Câmara dos Deputados federais, um "Memorial" de negociantes do Acre, propondo-se a construir uma estrada de ferro com início em Lábrea. E diz: "A construção da estrada, que partindo de Lábrea, no Purus, vá até ao Acre e ao Iaco, com um ramal para o Xapuri, não apresenta grandes dificuldades. Teremos a transportar toda a borracha colhida no Abunã, Tauamano e Caramano, da Bolívia, pois a estrada passará a 30 quilômetros, no máximo, do primeiro destes rios e quase que acompanhará as suas margens" (Memorial apresentado ao Congresso Nacional. — Rio de Janeiro, 1912, p.7).


TENTATIVAS ATUAIS

Decorridos mais de 40 anos (desde 1912, último gesto pró-ligação), ressurge e, desta vez, cremos, com vitória certa, o pensamento de Tenreiro Aranha, Labre, José Monteiro e Jaramillo. Sim. Cremos no firme propósito de Álvaro Maia, governador do Estado; cremos na enérgica e honesta disposição de ânimo de Xenofonte Antony, incansável diretor da Comissão de Estradas de Rodagem do Amazonas; e, cremos, finalmente, nos abundantes recursos da Comissão.

A perseverança, quando justa, sempre vence. Não é só. Temos, no Projeto da Lei Orçamentária Federal para o exercício de 1953, a consignação da verba de Cr$ 1.500.000,00 para a abertura de uma rodovia do Acre ao Abunã, comunicação que já existe em estado incipiente, pela qual transita muita borracha daquele Território, ao tempo da estiagem.

GEOGRAFIA LOCAL

A imensa região que a rodovia Lábrea-Humaitá ou Lábrea-Foz do Abunã deve atravessar, entre as bacias do Purus e do Madeira, está compreendida entre os paralelos 7 e 10 graus de latitude Sul. O Purus, nesse trecho, tem numerosos afluentes, dos quais se destacam, por sua extensão e volume, o ltuxi, o Mari e o Mucuim, além do Ipixuna, que ultrapassa, rumo norte, o paralelo 6.

Comendador José Francisco Monteiro,
fundador de Humaitá (AM)
No entanto, o Madeira, nesse mesmo trecho ou seja na sua margem esquerda, é pobre de tributários caudalosos, apenas igarapés, com exceção do Abunã, muito mais à montante da primeira cachoeira. Esses rios, na linha da projetada estrada Lábrea-Humaitá, são quase todos paralelos e separados por planaltos de campinas e matas, sendo que o Ipixuna (ou Paranapixuna) dista do Madeira apenas cerca de 30 quilômetros.

Os exploradores encontraram, nas orlas marginais, muita borracha e castanha. Há uma divisão de águas entre os confluentes do Ituxí e dos demais que se lançam à jusante da Lábrea. É um divortium muito longo, mas de insignificante altitude, em direção à foz do Abunã. Seria este o traçado, a pé enxuto, da estrada idealizada pelo coronel Labre, também em terras de campos de pastagens, tendo cerca de 260 quilômetros. De Lábrea a Humaitá há 160 quilômetros. Mas, carece de um ramal para o Abunã.

O inverno começa, na zona em apreço, em novembro e vai até maio. Em junho, os rios internos estão no apogeu de suas enchentes, por isso, francamente navegáveis até muitos quilômetros das respectivas embocaduras.

Os rios Ipixuna, Mucuim, Marí e outros, pouco estudados no seu curso superior, não devem fazer exceção aos demais da Amazônia, em cujas margens alagadiças, em muitos trechos, se estendem igapós e pântanos facilmente contornáveis. Nenhuma vez os exploradores fazem menção de corredeiras, nem de terras acidentadas, senão de chapadas de dorsos suaves. Tudo persuade e define a feição da planície, que um dia os canais ou as rodovias podem dominar, de um rio a outro. (...)



As riquezas naturais são a borracha, a castanha, as madeiras de lei, o cacau silvestre, o cumaru, tudo ainda pouco explorado, mesmo nos rios de fácil navegação como o Mucuim e o Mari (município de Canutama). A pesca do peixe-boi, do pirarucu e da tartaruga dão grandes resultados no comércio e na alimentação das populações ribeirinhas, igualmente a caça dos veados e das queixadas.
As terras referidas compreendem parte dos municípios amazonenses de Canutama e Lábrea, no Purus, e Humaitá, no Madeira.

RESULTADOS ECONÔMICOS

Repetimos: o estabelecimento da via férrea Madeira-Mamoré, servindo um percurso de 366 quilômetros de Porto Velho à Guajará-Mirim, não anulou a necessidade da ligação terrestre do Madeira ao Purus, como escoadouro de gado e das riquezas florestais do Beni, Orton, Abunã e do próprio Madeira, nos pontos accessíveis àquela via férrea, de fretes caríssimos. Continua, maior do que outrora, essa necessidade, no que toca às relações de comércio nos dois grandes rios, pois que, enquanto os produtos extrativos que descem o Purus se carreiam para Manaus, os do Madeira têm mais ensejo de descer para Belém.

Ademais, é conveniente lembrar que o Rio Abunã avizinha-se bastante do Ituxi, como este do Acre, ao qual se podem ligar, por estrada de rodagem, de menos de uma centena de quilômetros, estrada de evasão de sua borracha ao tempo do estio, quando aqueles rios se acham fechados à navegação direta com as praças de Manaus e Belém.




O escopo mais acentuado do coronel Labre, na construção da estrada Abunã-Lábrea, há mais de 70 anos, era a condução de gado da Bolívia, através do rio Orton, para a região dos campos naturais do Pussiari, fundando fazendas de criação. A esse tempo, como já dissemos, uma rês adulta, em estabelecimentos bolivianos, custava dez cruzeiros, enquanto que, no Amazonas, cem. Hoje, muito mais do que aquela época, o Estado carece abastecer seus matadouros de gado da Bolívia. 

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