CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, outubro 09, 2017

RODOVIA PURUS-MADEIRA

Outra aventura sobre-humana no Amazonas: construir uma rodovia entre Lábrea e Humaitá. Ou seja, ligar os rios Purus e Madeira, ligação que segue desafiando.


Tentativas encetadas vão aqui contadas pelo geógrafo Agnello Bittencourt, que as escreveu para o Boletim da Associação Comercial do Amazonas, edição de fevereiro de 1953.

Devido ao longo texto, reparti-o para melhor apreciação.


RODOVIA PURUS-MADEIRA



"Manaus, 11. O Governador Álvaro Maia presidiu, na cidade de Humaitá, o início das obras da estrada que ligará aquela cidade à Lábrea, visando aproveitamento dos grandes campos existentes entre os dois municípios. As obras estão a cargo do Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas". (Extraído do Diário de Notícias, do Rio, de 12.6.52).

VELHAS TENTATIVAS

Vamos tornar realidade um sonho já secular: a ligação da bacia do alto Madeira à do baixo Purus, para, sobretudo, facilitar o trânsito comercial, ou seja, o escoamento das riquezas de parte de Mato Grosso, Guaporé e Bolívia pelo último daqueles rios. Os grandes desníveis do leito do Madeira, à montante do Santo Antônio, formando alterosas cachoeiras até Guajará-Mirim, marcam um desafio às penetrações por via fluvial, conquanto para os verdadeiros bandeirantes não existam empecilhos nem distâncias, quando sabem que, no seio da muralha verde, se escondem tesouros.

A inteligência e a audácia armaram o brasileiro para os grandes empreendimentos. Assim, não hesitam enfrentar a natureza hostil. Que o digam os nordestinos que desbravaram o Acre e outras zonas da Planície, apenas animados do estoicismo, enfrentando o desconhecido. E varar as terras, de um rio a outro, para encurtar caminhos, é uma ideia antiga na Amazônia.

Ao tempo da instalação da Província (1852), acreditava-se na existência de paranás ou furos entre as águas do Purus e Madeira. O Madeira era, sem dúvida, depois do Rio Negro, o caudal mais importante, sob o ponto de vista econômico e financeiro, para a novel Unidade do Império. Canalizar com facilidade, para Manaus os produtos de toda a bacia madeirense, equivalia a dar um impulso à prosperidade do Amazonas.


O presidente Tenreiro Aranha (foto), instalando e assumindo o governo em janeiro daquele ano, logo em maio, designou o pernambucano Serafim da Silva Salgado para explorar o Purus e verificar o que havia de verdade na versão propalada de existir uma comunicação natural com o Rio Madeira, acima de Santo Antônio e, portanto, com ingresso direto à Bolívia e Mato Grosso.

Salgado partiu a 10 do referido mês, em duas igarités guarnecidas por doze índios e doze praças armadas, sob a chefia de um cabo. Penetra o Purus, sobe-lhe as águas até onde pode navegar, regressando a 10 de outubro, tendo chegado a Manaus a 30 de novembro do mesmo ano, sem encontrar ou ter notícia da suposta comunicação.

O Relatório de Serafim Salgado é uma peça histórica de grande valor na descrição de um rio que, pela primeira vez, foi sulcado por um civilizado. Outra expedição exploradora foi enviada em 1861: dela se incumbiu o prático amazonense Manoel Urbano da Encarnação, que, da foz do Purus até seu afluente Ituxi, gastou, viajando em duas canoas, 55 dias e mais 100 daí até próximo a Sarayaco (Bolívia). Haviam-lhe dito que uma corrente d’água desembocava no [rio] Ituxi, possivelmente uma comunicação vinda do Abunã.

Eis que Manoel Urbano sobe aquele rio, penetra a suposta comunicação durante alguns dias e vê que se tratava apenas de um tributário do Ituxi. O expedicionário após nove meses de viagem redonda, declarou não ter encontrado a propalada comunicação, objeto dessa viagem.

Seu Relatório, não menos interessante que o de Serafim Salgado, foi redigido, em Manaus, pela engenheiro João Martins da Silva Coutinho e se acha inserto no livro sobre o município de Lábrea, do coronel Antônio C. R. Bittencourt (O Município de Lábrea, 1918, p.20).

Ainda uma outra tentativa se realizou a mando do governo provincial, desta vez pelo Ituxi. Mas, o seu encarregado Manoel Urbano resolveu penetrar o rio Mucuim, no hoje município de Canutama, subindo por ele durante 11 dias em igarité e mais 3 por terra, chegando à cachoeira Salto Teotônio. Estava, assim, em parte, descoberta a tão ansiada comunicação Purus-Madeira.

Foi ainda o Dr. Coutinho quem reduziu a termos escritos os relatos do expedicionário, que era um homem semianalfabeto, mas resoluto e leal. A passagem entre os dois rios constituiu uma espécie de obsessão da época. O coronel Antônio Rodrigues Pereira Labre, maranhense culto e de influência social, no comércio e nas rodas governamentais de Manaus, estudou o Purus, que perlustrou em navio a vapor, publicando um trabalho a respeito.

Fundou a povoação que se tornou mais tarde a cidade de Lábrea, em 1° de fevereiro de 1871. O seu empenho foi grande para o conseguimento de uma rodovia entre Lábrea e o Madeira, estendendo-se até o Abunã. Em sucessivas penetrações e estudos gastou mais de nove anos, desde 1872 a 1881, tudo à sua custa, como ele próprio o declara. Incentivou o governo amazonense a proceder desse modo, conseguindo a promulgação da lei nº 208, de 27 de abril de 1871, autorizando o presidente da Província a mandar explorar os rios Mari e Ituxi, "tendo exploração com o fim de reconhecer o ponto mais vantajoso para abrir-se comunicação com os rios Abunã e Beni, da Bolívia". "Se a comunicação pode ser feita por canal que se deve abrir, ou estrada de rodagem. Se existem campos próprios para a fundação de fazendas de gado, atravessados por aqueles rios".

Esta lei não passou de mais uma tentativa na inicial visão de Tenreiro Aranha. O coronel Labre tomou a si o empreendimento. Não olhou dificuldades, nem despesas. Em maio de 1886, à frente de civilizados e índios, partindo de Lábrea, fura a floresta, rumo a Santo Antônio, no Madeira. Atravessou chapadas de pouca elevação, sendo que três quartas partes do itinerário era de campinas úteis à criação de gado. (...)


(A sequência desta postagem, veja nos dias 10 e 11 adiante)

Nenhum comentário:

Postar um comentário