Em 22 de novembro de
1950, o prefeito de Manaus, Chaves Ribeiro, concedeu a José de Brito Pina,
cidadão português, uma área de terra situada na então praça Gonçalves Dias
(hoje integrante da praça Heliodoro Balbi), destinada à construção
de um estabelecimento comercial. Nela, Pina construiu o Pavilhão São
Jorge, destinado à venda de café e outros petiscos regionais, que foi inaugurado
em maio de 1951.O sobrenome do proprietário impôs ao comércio
o epíteto ainda hoje manifesto: Café do Pina. Era bem frequentado, pois localizado
em frente ao Cine Guarany e fronteiriço ao quartel da Polícia Militar e ao
Colégio Estadual do Amazonas. Desse modo, conhecia uma variada freguesia diurna
e noturna.
Devido a convivência com os membros
do Clube da Madrugada foi crismado com outro cognome: República do Pina. Enfim,
restou gravada a maneira como “seu” Pina saudava indistintamente os frequentadores:
Alô, jovem!
Quando do falecimento do Pina, em agosto de 1982, o saudoso poeta, ator e mestre Farias de Carvalho o homenageou com esta publicação em A Crítica (18 ago.1982).
Não fui, amado Irmão Pina, não fui ver teu corpo sendo devolvido ao ventre escuro da terra. Faltou-me coragem. Eu, que não acredito na morte; que tenho consciência da nossa condição de simples inquilinos dessa estalagem de engodos a que chamamos de mundo; que estou absolutamente convicto da verdade da vida espiritual, ou, amado irmão Pina, fraquejei. Diante da notícia arrasadora, que a mim me foi dada nas latitudes da tua República, da nossa República, eu me decidi a ir te ver, a ir correndo beijar o teu rosto gelado, as tuas mãos inertes, cruzadas sobre o teu peito como um pássaro de asas recolhidas, subitamente despencadas do azul. Mas não pude, amado irmão Pina. Minha mente recusou-se a aceitar a brutalidade daquela imagem.
Por
isso, amado irmão Pina, fechei os olhos molhados, queimados pelo sal do meu
pranto e rebusquei, nos desvãos da memória, uma outra imagem tua. Viva.
Radiosamente viva, riscando as pautas da brisa com os acordes do teu riso,
inventando sinfonias na epiderme da manhã.
ALÔ, JOVEM!
E
os homens iam chegando. Dos muitos caminhos da vida, traziam sonhos e mágoas,
angústias e ilusões, amarguras e alegrias, fé e decepções. E na República,
ancoravam os seus veleiros diversos, para um momento de fuga do velejar
tresloucado. Fundeavam na República e no teu riso também. Estudantes, poetas,
vagabundos, funcionários, operários, boêmios retardatários, patrões sisudos,
donzelas, prostitutas amarelas, meninos desassistidos, engraxates indormidos,
paravam todos, irmão, para o banho de amplidão, o banho azul na cascata que
nascia em teu sorriso e tinha gosto de paz, e dava aquela vontade de ali ficar
ancorado, e não erguer bujarronas, não velejar nunca mais.
Ah!
A República! Com a beleza da sua Constituição de três artigos:
ARTIGO PRIMEIRO: A república do Pina é um Estado Imaterial e inconsútil,
e existe além do tempo, urdida no coração dos que não esqueceram os fundamentos
essenciais do amor.
ARTIGO SEGUNDO: São seus cidadãos todos aqueles que têm a
capacidade de transportá-la dentro da alma, para recriá-la numa esquina
qualquer da vida, num estilhaço de estrela, num albergue construído de saudade
ou numa gota de sol brincando de arabescos na calçada.
ARTIGO TERCEIRO: Fica dito que esta lei não tem calendário para entrar em vigor, pois que em vigor sempre esteve gravada nas tranças de ouro das auroras e no suspiro violeta dos ocasos.
Essa,
amado irmão Pina, a República. Tua, nossa, do eterno. A República, da qual és o
Presidente vitalício, agora afastado, para tratar, na embaixada do etéreo, com
a diplomacia do afeto, da viagem de cada um de nós, teus concidadãos, aos quais
receberás um dia, iluminando a chegada com claridade do teu riso, para o
cafezinho do reencontro, na República, a outra, que já começaste a erguer, numa
nesga qualquer do céu.
Até lá, meu Irmão. Até lá, Presidente. Alô, Jovem!